É impressionante como a dor e o desastre, o encontro com a
morte e a percepção da fragilidade humana fazem parte da nossa vida. São
situações tão latentes, mas que evitamos até o momento “necessário”. Fazem
parte da realidade humana, porem tratamos como se fossem sobrenaturais,
especiais e distantes.
Vivemos em um ambiente social que supervaloriza a
posse de objetos e o apego exacerbado a bens físicos e psicológicos. Essa nova
postura do ser humano em relação ao mundo o afasta, cada vez mais, da sua relação com
o mistério da vida que vai além da realidade física. O materialismo imediato
também prejudica a relação com o que é material e permanente, ou seja, deixa-se
de pensar na materialidade do mundo e na relação homem-natureza para pensar
apenas nas relações pontuais com este ou com aquele objeto. Isso esvazia a capacidade de abstração do ser humano e nós criamos uma
pseudo-universalidade baseada em nossa experiência única com o objeto em questão,
fazendo da subjetividade uma regra universal e inquestionável.
Esse processo leva a um bombardeamento de opiniões e
reflexões que, baseadas no princípio da liberdade de expressão, fazem com que
tudo seja postulado como verdade e que a verdade seja esquecida, pois quando
tudo é algo, este algo passa a ser nada.
Com a verdade destituída de seu lugar como condutora do
pensamento, todas as outras opiniões passam a costurar a nova trama perigosa
dos pseudo-argumentos. Neste processo os diálogos e a comunicação perdem uma de
suas características importantes: estabelecer uma conexão entre dois
pensamentos. O que acontece hoje – na maioria dos casos – é uma simples peleja
para justificar a frágil pseudo-argumentação gerada da nossa constante
pseudo-universalização.
Voltando a esse encontro com o impalpável que é a
morte, nossas relações são – na maioria das vezes – de vazio, pois o objeto,
por mais que esteja presente, já não apresenta vida. Nossas relações pontuais com
aquelas pessoas que preenchiam toda a nossa existência já não mais existirão.
Não poderemos mais conversar, cantar, caminhar ou ter qualquer outro contato
imediato com eles. Podemos perceber que tudo que se passou foi relacional, duas
vidas que estavam diante uma da outra, mas que na maioria das vezes buscava
apenas justificar a satisfazer as próprias necessidades e interesses.
Como já não mais existia algo que as vidas buscassem em
comum – como uma verdade, ou um pilar que norteasse o caminho – tudo se
desmorona com a consciência de que havia tanta coisa para fazermos juntos e que
é “injusto” que essa pessoa tenha morrido. Voltamos ao perigo da relação
individual. É você, sua relação, seu sofrimento, sua dor e isso não representa
algo universal. Se você experimenta a tragédia e a morte desta forma não quer
dizer que todos devem vive-la da mesma maneira. Não é porque a sua dor não se reflete em milhares, centenas, dezenas ou em nenhum indivíduo que ela não é
válida, apenas é sua. As maiores injustiças que cometemos são quando projetamos o
que é nosso como regra universal e, assim, cobramos das outras pessoas que as
sigam como se fossem regras morais e necessárias.
Dessa forma, a tragédia e os acontecimentos que mexem com a
dor coletiva são impulsionadores para a reestruturação de um pensamento
universal, onde deixamos um pouco da experiência individual para viver
coletivamente. Mas será que é necessário que caiam viadutos, ocorram vexames
esportivos ou que desastres naturais aconteçam para que possamos perceber que
não estamos sozinhos? Creio que é necessário reaprender a viver como seres
humanos: abertos aos nossos irmãos, único meio de sobrevivência e consolo que
possuímos.
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