quarta-feira, 13 de março de 2013

O NEÓFITO VAMPIRO

Para Miguel era rotina passar todos os dias, tarde da noite, em frente ao Cemitério Municipal. Aquele local era apenas um acidente de percurso entre o seu ponto de ônibus e a faculdade onde estudava Direto.

Naquele dia não foi diferente. Ao ouvir a sineta do final da aula, arrumou os seus pertences, levantou-se, despediu dos colegas e se dirigiu à portaria da faculdade. Sorriu para o porteiro, cumprimentou o pipoqueiro e começou a caminhar pelas ruas escuras de Congonhas.

Era um percurso breve, cerca de 10 minutos de caminhada tranquila até o ponto de ônibus. Desta vez, porém, Miguel sentia um frio que percorria suas entranhas e subia pela espinha. Não era aquele frio provocado pelo tempo, pois se tratava de uma bela noite de verão, mas sim o frio interior inexplicável que sentimos às vezes e que parece nos avisar.

Ao virar a esquina levantou os olhos por um momento e, pela primeira vez, percebeu o belo crucifixo que ficava acima do portão do cemitério. Ao ver aquele símbolo lembrou-se de quando era pequeno e frequentava com os irmãos a igreja perto de sua casa. Baixando os olhos enxergou um velhinho encostado na mureta de proteção do cemitério, ele se vestia todo maltrapilho com os cabelos e barba desgrenhados.

O primeiro pensamento que veio à mente de Miguel foi ignorar o velho e continuar em sua costumeira caminhada, porém ao chegar perto do homem abriu um sorriso e disse:

- Boa noite, senhor!
- Boa noite, jovem. Será que poderia me ajudar a chegar ao ponto de ônibus? – respondeu o velhinho com uma voz doce e melodiosa que não combinava com seu jeito selvagem.

Prestativo e surpreso, Miguel ajudou o velho a caminhar até o ponto. Enquanto caminhavam escutou o murmurar de uma canção que o homem concentradamente entoava. O barulho dos passos ritmava harmonicamente a canção e novamente o frio tomou conta de todo o seu corpo.

Chegaram ao ponto de ônibus, e ao ajudar o velho a se sentar Miguel tocou em sua mão, percebendo-a fria como um cubo de gelo. O velhinho sorriu e continuou cantarolando a canção.

Pouco menos de um minuto depois o ônibus chegou. Novamente Miguel ajudou o velho e entraram no veículo. O ônibus estava praticamente vazio, apenas três assentos estavam ocupados, um por uma mulher sentada ao lado de uma criança, que parecia ser sua filha, e no meio um bêbado que roncava alto.

Os dois então se dirigiram para o fundo do ônibus, e após ajudar o velho a se sentar no penúltimo banco, Miguel se posicionou na ultima fileira, colocando sua mochila em um assento e ocupando outro.

De repente Miguel começou a ficar sonolento, e o frio aumentava cada vez mais. Sua visão foi ficando turva, e uma espécie de neblina recobria tudo. O velho então se levantou, tirou seus trapos e se virou na direção de Miguel.

Os olhos vermelhos como rubi encaravam-lhe e uma súbita falta de ar tomou conta do jovem. Mais uma vez, o velho sorriu e o jovem não tinha mais consciência de nada.

Ao acordar com o chacoalhado do trocador, Miguel deu um salto de medo. Olhou ao redor mas percebeu que o ônibus estava vazio e que havia chegado em seu ponto. Sem entender ele desceu, tirou as chaves de casa, entrou e se dirigiu para o quarto. Ainda com frio, foi até o banheiro para se trocar. Ao parar diante do espelho percebeu um fio de sangue em seu pescoço. Dois pequenos orifícios estavam abertos e sangrando. Ao olhar novamente para o espelho deparou-se com seu reflexo desaparecendo, com o frio aumentando e com a dor intensa da morte.