quinta-feira, 24 de julho de 2014

(RE)CICLADO

De onde vem o fim, senão do começo?
Começar é saber que um dia chegaremos além;
mas aquém de onde queremos chegar.
O fim é perecer, padecer, perceber.

Nada no fim se leva, mas no fim tudo se construiu.
O fim é chegada do começo irreconhecível.
É irreconhecível ponto de mistério.


É vazio completo
É completo vazio


O fim se enche de esperança
No fim o medo se torna vago ou real
Há medo do fim, há medo do além.


O fim se espera
Com ardor a ele nos arremessamos;
passos velozes fixos no fim.
Ao começo não mais...


O fim é retornar ao começo
para que, finalmente,
caminhando com novos passos
a chegada seja o fim
do seu verdadeiro inicio.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

DESASTRES PARA HUMANIZAR

É impressionante como a dor e o desastre, o encontro com a morte e a percepção da fragilidade humana fazem parte da nossa vida. São situações tão latentes, mas que evitamos até o momento “necessário”. Fazem parte da realidade humana, porem tratamos como se fossem sobrenaturais, especiais e distantes.

Vivemos em um ambiente social que supervaloriza a posse de objetos e o apego exacerbado a bens físicos e psicológicos. Essa nova postura do ser humano em relação ao mundo o afasta, cada vez mais, da sua relação com o mistério da vida que vai além da realidade física. O materialismo imediato também prejudica a relação com o que é material e permanente, ou seja, deixa-se de pensar na materialidade do mundo e na relação homem-natureza para pensar apenas nas relações pontuais com este ou com aquele objeto. Isso esvazia a capacidade de abstração do ser humano e nós criamos uma pseudo-universalidade baseada em nossa experiência única com o objeto em questão, fazendo da subjetividade uma regra universal e inquestionável.

Esse processo leva a um bombardeamento de opiniões e reflexões que, baseadas no princípio da liberdade de expressão, fazem com que tudo seja postulado como verdade e que a verdade seja esquecida, pois quando tudo é algo, este algo passa a ser nada.

Com a verdade destituída de seu lugar como condutora do pensamento, todas as outras opiniões passam a costurar a nova trama perigosa dos pseudo-argumentos. Neste processo os diálogos e a comunicação perdem uma de suas características importantes: estabelecer uma conexão entre dois pensamentos. O que acontece hoje – na maioria dos casos – é uma simples peleja para justificar a frágil pseudo-argumentação gerada da nossa constante pseudo-universalização.

Voltando a esse encontro com o impalpável que é a morte, nossas relações são – na maioria das vezes – de vazio, pois o objeto, por mais que esteja presente, já não apresenta vida. Nossas relações pontuais com aquelas pessoas que preenchiam toda a nossa existência já não mais existirão. Não poderemos mais conversar, cantar, caminhar ou ter qualquer outro contato imediato com eles. Podemos perceber que tudo que se passou foi relacional, duas vidas que estavam diante uma da outra, mas que na maioria das vezes buscava apenas justificar a satisfazer as próprias necessidades e interesses.

Como já não mais existia algo que as vidas buscassem em comum – como uma verdade, ou um pilar que norteasse o caminho – tudo se desmorona com a consciência de que havia tanta coisa para fazermos juntos e que é “injusto” que essa pessoa tenha morrido. Voltamos ao perigo da relação individual. É você, sua relação, seu sofrimento, sua dor e isso não representa algo universal. Se você experimenta a tragédia e a morte desta forma não quer dizer que todos devem vive-la da mesma maneira. Não é porque a sua dor não se reflete em milhares, centenas, dezenas ou em nenhum indivíduo que ela não é válida, apenas é sua. As maiores injustiças que cometemos são quando projetamos o que é nosso como regra universal e, assim, cobramos das outras pessoas que as sigam como se fossem regras morais e necessárias.

Dessa forma, a tragédia e os acontecimentos que mexem com a dor coletiva são impulsionadores para a reestruturação de um pensamento universal, onde deixamos um pouco da experiência individual para viver coletivamente. Mas será que é necessário que caiam viadutos, ocorram vexames esportivos ou que desastres naturais aconteçam para que possamos perceber que não estamos sozinhos? Creio que é necessário reaprender a viver como seres humanos: abertos aos nossos irmãos, único meio de sobrevivência e consolo que possuímos.

VÉRTEBRAS E VIADUTOS

O craque fraturou a vértebra.
O viaduto fraturou as almas.
Tentam sufocar a dor
que pesa toneladas
no coração
de quem não disse

Adeus

(Autor: Zack Magiezi)